domingo, 23 de março de 2014

Reflexão sobre relacionamentos afetivos, uma lacuna

Reflexão sobre relacionamentos afetivos, uma lacuna Foi um domingo feio, chuvoso e sombrio, o segundo do outono. Indicativo de que, depois de um verão escaldante que parecia interminável, tudo muda. A estação, definitivamente, não é mais a mesma. Mas os relacionamentos afetivos de Tamara, sim. A lembrança de seus fracassos volta e meia vem à tona. Relacionamentos afetivos são uma lacuna em sua vida. Segundo um psiquiatra e psicoterapeuta conhecido, com programa de rádio e publicações nas redes sociais lidas diariamente por Tamara, as relações afetivas se tratam de um dos pilares da felicidade humana nesta vida, juntamente com a sensação de triunfo profissional. Então ela será sempre perneta, sempre cinquenta por cento, de acordo com este raciocínio. Ainda segundo o mesmo profissional, é válido sacrificar, sob certas condições, o lado profissional em prol do amor, quando ele é encontrado. Hoje, com a maturidade, Tamara compreendo melhor este ponto de vista, pois é difícil encontrar alguém especial e com quem nos entrosemos. Antes, Tamara não admitiria, em circunstancia alguma, abandonar o trabalho para viver um grande amor, por exemplo. Hoje, sofredora na carne das dificuldades de encontrar um par ideal, admitiria sob certas condições esta hipótese. Seria fundamental ter perspectivas de retorno ao mercado de trabalho. Ao mesmo tempo em que mudou o seu ponto de vista, Tamara percebe que nunca teve a disposição para trabalhar em prol de encontrar um grande amor, pois nunca acreditou em que o encontraria. Imediatamente ela se reporta à sua ojeriza a cerimônias de casamento na infância. "Então, colho o que planto", conclui Tamara. Daí a sua aparente tranquilidade relativamente à solidão. Mas esta tranquilidade é apenas aparente, pois sente uma lacuna, se considera fracassada em termos de expectativa social, e tem medo da solidão no futuro; enfim, sofre intimamente. E vem a tona mais considerações sobre afetividade. Elas vêm soltas, como fragmentos de um prédio em ruínas. A respeito da noção transmitida pelo psiquiatra e psicoterapeuta de que a felicidade para a maioria das pessoas passa pelo sucesso profissional e por um par amoroso, esta noção ainda reforça a ideia de que somente somos felizes em pares. Quem, como Tamara, não tem um parceiro, estaria cinquenta por cento incompleta. Ela conclui que o que mais lhe entristece é não ter conseguido dar conta desta exigência social. Pois, a rigor, não precisa de um homem para se sentir feliz e completa. Ela consegue fazer muita coisa sozinha, gosta de lazeres solitários, está acostumada a ser solitária, até mesmo por ser filha única. Acha que o grande aprendizado seu nesta vida é aprender a ser só. Talvez em outras vidas ela tenha tido muitas companhias e tenha perdido um pouco da noção de convívio consigo mesma. Pode ser que um ranço desta condição em vidas anteriores esteja no fato de gostar de ver gente e de estar com gente também. Tamara só não pratica mais isto por causa da violência e dos perigos das multidões. No auge do verão, ela adorou, por exemplo, o movimento de gente no Arpoador e em Ipanema nas duas vezes em que lá estive para ver o por do sol. Á mesma época em que foi curtir o por do sol em meio à galera do verão efervescente, coincidentemente, viu parcialmente a reprise de uma entrevista televisiva em que uma famosa atriz de novelas afirmava não precisar de um homem para ser feliz e nem se sentir completa, e que ela pensava em adotar uma criança. É verdade que a entrevista era antiga: fazia parte do pacote de reprises de programas durante as férias da apresentadora. A atriz já mudara este ponto de vista, pois está atualmente com outro namorado. As celebridades fazem este tipo de declaração entre um e outro romance, pois sempre tem alguém. Por quê para elas é tão fácil e para Tamara e outras mulheres "comuns" é tão difícil? Tamara já estaria talvez no terceiro casamento, caso fosse atriz! E, à mesma época da visão do por do sol, houve a morte do cinegrafista da Band durante uma manifestação no Centro do Rio. Uma das coisas que mais impressionaram Tamara neste triste episodio foram circunstancias da vida particular do falecido. Ele, aos 19 anos, se uniu a uma mulher 16 anos mais velha, com três filhos, teve uma filha com ela e viveram juntos estes anos todos, cerca de 30, até serem separados por uma tragédia. Isto prova que relacionamentos assim, com grande diferença de idade, podem dar certo. E prova que deveria haver um grande amor entre ele e sua mulher, e também confirma que, apesar da pouca idade quando conheceu a mulher, ele era uma pessoa altamente responsável, diferente da maioria dos homens, que não querem assumir uma mulher com três filhos de outra(s) união(ôes). A conclusão de Tamara é a de que as índoles de responsabilidade e caráter já vêm semeadas na pessoa, sendo apenas moldados pela educação. Fim das reflexões sobre afetividade em um domingo feio. É hora de espairecer!

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